Ainda não sou gerente. Não tenho uma empresa lucrativa. Não sou capa da Forbes. Não tenho um aplicativo milionário. Não virei presidente/a. Não ganhei o prêmio Nobel. Ou tenho isso e não sou feliz. A essa altura eu achei que seria mais feliz e teria atingidos meus objetivos. Pode até parecer exagero, mas as gerações pós-guerra nasceram em um ambiente de euforia, e apesar das dificuldades mundiais, cresceram em uma cultura de altas expectativas com relação ao sucesso. A alta expectativa é a primeira parte da série: Como lidar com a insatisfação no trabalho.
A expectativa se tornou um patamar muito alto, na verdade, a cada geração, o sucesso aumenta alguns patamares: se meu pai chegou no patamar x, eu tenho a obrigação de chegar no x + 10 (até porque é preciso acompanhar pelo menos o preço dos smartphones). E isso tudo seria possível, seguindo um certo roteiro de educação, trabalho, dedicação quase que exclusiva para carreira, assim os resultados seriam astronômicos e literalmente a lua seria o limite.
Somam-se a isso a cultura importada do que é o sucesso nos Estados Unidos da América onde o único vencedor é quem sai da classe mais baixa e constrói um verdadeiro império, de preferência no Vale do Silício, também, adicionam-se a globalização e a conexão intensa à internet, formando um combo de gerações e gerações de pessoas que esperavam encontrar felicidade na carreira e estão desiludidas no trabalho. Mas o que deu errado?
Criou-se uma cultura de altas expectativas onde a cada objetivo alcançado na carreira, é criado um próximo objetivo ainda maior. E até aí tudo bem, o problema é ficar dependentes da sensação que isso cria. Ou seja, passa-se a criar novos desejos sem moderações, acreditando que ao chegar nesses objetivos torna-se uma pessoa mais felizes, e atingindo a famosa plenitude, mas logo isso passa, fica-se frustrado sem saber o motivo e é preciso criar outra coisa, sempre externa a mim.
Esse efeito é que tem causado frustração constante, pois se retroalimenta. Eu gero uma alta expectativa ao atingir um objetivo, entro em uma certa euforia de bem-estar, mas aí me adapto, é o que chamamos de adaptação hedônica, ou efeito ressaca, essa capacidade humana de se acostumar com o novo, e então, começo a diminuir a sensação de bem-estar e me sentir cada vez mais triste acreditando que preciso de algo externo para me sentir feliz novamente. Como se essa euforia fosse viciante. Fiz um uma figura para ilustrar o problema desse efeito ressaca, veja que quando voltamos do pico, não ficamos em nosso normal (cada pessoa tem um nível de bem-estar natural mais constante), temos uma queda (a sensação da ressaca do dia pós festa, meio tristonho). E que logo depois dela, volta-se ao estado natural, mas agora a sensação natural já não é suficiente e passa-se a buscar novas forma de atingir o topo.
Por exemplo, normalmente, quem passou em um concurso desejado (principalmente se ficou esperando muito para ser convocado), provavelmente, depois de um tempo começou a se sentir insatisfeito sem entender o porquê. Quem mudou de cidade ou país, e criou uma expectativa que isso iria ser a melhor coisa da vida, depois de um tempo sentiu a mesma coisa. Um novo trabalho, ou serviço, e até um novo crush, com o tempo a euforia passa e vem uma sensação de baixo astral, e você fica sem entender, e aí começa a ver defeitos na situação. As pessoas estão cada vez “mais viciadas” nesse pico, não é por acaso que existem pessoas que só conseguem ficar por 2 anos em uma empresa, que começam a querer viver viajando, ou têm relacionamentos mais curtos. A adaptação hedônica acompanha a gente em todos os momentos, a tendência ao longo do tempo é ter uma queda de bem-estar que é natural. Mas veja, sua felicidade não depende desse pico.
No livro “Os Mitos da Felicidade” a autora conta que ao fazer palestras motivacionais no Google, lugar onde muitas pessoas sonham em trabalhar, ela percebeu que depois de experimentarem os vários benefícios, como: levar seu animal para o trabalho, ter sala de jogos, tocar música e ter jantares gratuito diário, os colaboradores de lá começam a reclamar de coisas como “torta de caranguejo de novo? ”. Ou seja, é extremamente importante que você saiba que a felicidade vinculada a um objetivo é passageira, e que tudo que você for fazer na vida, se gerou expectativa alta, é provável que naturalmente haja uma queda, seguida de regularização no que sente como bem-estar natural, e aqui vai meu recado: “está tudo bem, faz parte! ”.
Mas já que isso acontece, e acontece para todo mundo, será que não é mais desgastante ficar buscando aumentar constantemente esse patamar de objetivos (quanto maior, mais expectativa, mais frustrante)? No mesmo livro a autora mostra que a tendência desse aumento é gerar resultados opostos, e dá o exemplo do Michael Jackson, que depois de vender o álbum Thriller quis dobrar as vendas no próximo álbum, uma meta absurda e não conseguiu, vendeu “apenas” 30 milhões, 70% a menos do seu último, o efeito foi o oposto e gerou uma grande frustração. Talvez, não seja coincidência que se vê muitos artistas deprimidos mesmo depois de grandes sucessos.
Será que se cobrar tanto e ter que mudar (trabalho, cidade, parceiro) o tempo todo, é a resposta? Já que esse efeito de felicidade vai passar? Objetivos e metas são excelentes, eu trabalho com eles, e são fontes de motivação sim, o problema é quando são imoderados, e aí se tornam nocivos. Você já parou para pensar o que é realmente essencial na sua vida? Não é deixar de ter nada o que importa para você, mas que você tenha consciência dessa escolha, porque você será bombardeado em ter mais e mais por todos os lados, mas ninguém vai lhe contar que os efeitos disso: uma constante frustração.
Para lidar com o efeito ressaca, e diminuir a frustração, algumas dicas de ações importantes:
1. Esteja consciente do funcionamento da adaptação hedônica na sua vida, tente lembrar de algumas situações.
2. Lembre-se de como era antes de onde está hoje.
3. Olhe para as pessoas a sua volta e veja que muitas estão em grandes dificuldades, respeite isso.
4. Amplie sua percepção do que realmente importante para você.
5. Evite a busca de felicidade externa, invista mais em desenvolver seu lado interno.
Em resumo, aprecie o que tem hoje. Sem fazer essas reflexões antes de definir novos objetivos, você corre o risco de fazer mais do mesmo e as chances de se frustrar são grandes.
Acompanhe as próximas partes, aqui no meu blog.
Recomendação:
Livro Os Mitos da Felicidade de Sonja Lyubomirsky
Ps.: Se gostou, curta e compartilha tem muita gente sofrendo por estar na ilha da fantasia das grandes expectativas.
Por Ana Melo Dias
Psicóloga, Personal e Professional Coach
Coach de Propósito de Vida e Crise dos 30
Especialista em Psicologia Positiva
Mestranda em Ecologia Social pela UFRJ